A batalha da Gaspar Viana - Quarta feira Sombria



Manchete do jornal “Aprovíncia do Pará”

Os primeiros anos da era FHC provocaram intensas mobilizações em Belém.  Eram passeatas contra a revisão constitucional, contra as medidas provisórias sobre mensalidades escolares, contra a venda da Vale do Rio Doce etc. Em uma destas manifestações, no dia 10 de maio de 1995, ocorreu uma das piores batalhas entre estudantes X polícia que se tem informação na história política paraense.
Nós éramos uns 5 mil estudantes, de escolas públicas, técnicas e particulares, secundaristas e universitários.  Nos concentramos como tradicionalmente, no Conjunto Arquitetônico de Nazaré – CAN, e de lá, às 15h, partimos rumo a sede do Ministério da Fazenda, localizado na rua Gaspar Viana, no Centro da cidade. A passeata, organizada pela UMES, UNE e UBES, no meio do caminho ganhou a adesão de partidos políticos como PT, PSB, PCdoB, PSTU, além das centrais sindicais como CUT E CGT.


Tropa de choque empurra a turma para dentro, enquanto um outro pelotão, invade por trás e empurra a estudantada para fora. Foto do Jornal “O Liberal”. Fotógrafo: Paulo Amorim.

A passeata seguiu, os ativistas gritavam palavras de ordem como: “Fora daqui, o FMI” e “FHC, presta atenção, estamos na rua pra salvar a educação”. Pelo volume da manifestação, muitos carros de som intercalavam a massa, o carro principal, um trio elétrico de propriedade de Bento maravilha, recebia os oradores. Dirigentes sindicais, líderes estudantis e políticos se revezavam. O então deputado Babá, do PT, era um dos políticos no carro de som.
Quando chegamos à Rua Gaspar Viana, às 17h, duas viaturas da tropa de choque já nos aguardavam. Como a rua era estreita, enquanto o caminhão tentava se posicional em frente ao prédio do Ministério da Fazenda, um grupo grande de estudantes meteu o pé na porta de vidro e invadiu o prédio. Em questão de segundos, a manifestação perdeu o controle. Centenas de estudantes ocuparam o hall de entrada, revirando tudo, subindo em mesas, batendo no teto.
No caminhão de som, dirigentes da UNE tentavam acalmar a multidão enfurecida. Na tentativa de recuperar o controle do ato, Sílvio, Rita, Ivélise, Pezão e eu entramos no prédio, pedindo calma, tentando organizar uma comissão para apresentar nossas reivindicações ao MF.
Não foi possível, não deu tempo. No momento em que iniciávamos o diálogo, a tropa de choque entrou pelos fundos do prédio, com um outro pelotão se insinuando pela porta de entrada, encurralando os cerca de 500, 600 estudantes. A partir dali, o que se viu foram cenas de barbarismo, selvageria e crueldade. O choque passou a empurrar todo mundo, batendo com escudos e cassetetes. Os estudantes que estavam do lado de fora, vendo a selvageria da PM, passaram a atirar pedras contra o prédio, que tinha em sua estrutura externa centenas de vidros.


Seta superior: Sílvio Santos, presidente da UMES, apanha da PM. Seta Inferior: Manuella, diretora da UMES.

Na hora da evacuação, dezenas de estudantes tropeçaram, sendo pisoteados por outros. Outra leva de estudantes arremessou cadeiras contra as paredes de vidro para poderem sair do local.  Do lado de fora, a situação não era melhor, mobilizados pelo comando da PM, A Companhia de Operações Especiais – COE,  o Batalhão de Choque e o 2º Batalhão de Polícia militar passaram a caçar os estudantes, lançando bombas de gás lacrimogêneo e atirando com metralhadoras.

Praça de Guerra, Praça da República, governo Almir Gabriel

Sirenes de ambulâncias e viaturas policiais tocando pra todos os lados davam mais tensão à barbárie. Os manifestantes tentaram se dispersar na Praça da República mas a PM não deixou, caçando-os violentamente, correndo com armas em punho, gritando, dando socos. Mais bombas e tiros foram disparados, inclusive de escopeta. Transeuntes, pessoas nos pontos de ônibus e até cidadãos que estavam na porta das Lojas Americanas apanharam da PM. Um casal de vendedores de artesanato foi agredido, a mulher, grávida, tomou chute, os dois foram levados presos, deixando seu filho de aparentemente 3 anos de idade vagando sozinho na praça. Um estudante preso, ao ser jogado dentro do camburão, sofreu lesão na cabeça ao ter o vidro da viatura quebrado com o impacto do fechamento da porta. Um barbarismo total!
Por volta das 18h até o batalhão de trânsito se juntou aos policiais e passou a caçar os manifestantes. Formando um curral, a PM fechou com cerca de 10 viaturas a Gama Abreu, esquina com a Presidente Vargas, com o intuito de impedir que os estudantes fugissem através da Avenida Nazaré. O barbarismo da PM de Almir Gabriel foi um choque para a sociedade. A violência policial de seu governo se igualou às polícias de Jader e Gueiros, uma calamitosa vergonha!


José Resende: traumatismo craniano

O saldo da batalha da Gaspar Viana: mais de 20 estudantes presos e dezenas de feridos. O estudante José Resende sofreu traumatismo craniano e seu estado era considerado grave pela direção do pronto Socorro municipal. O caso da violência policial teve gigantesca repercussão, destaque no Jornal Nacional, Jornal da Globo e nos jornais impressos da capital e da grande mídia do sudeste do brasil. Os estudantes Leonardo Condurú (UNE) e Rony Santos (DCE UFPA) foram presos e encaminhados para a sede da polícia Federal, localizada na Almirante Barroso. Ambos foram processados pela depredação do prédio do Ministério da Fazenda.
Após a batalha campal, parte da direção da UMES correu hospitais para ver a situação dos estudantes feridos e uma outra parcela formou comissão e se deslocou às redações dos jornais, para esclarecer  à população o que realmente ocorreu naquela quarta-feira sombria.

Relato: Jairo Costa

Fonte: blog de Jairo Costa

Homenagem aos 30 anos da UMES

Comentários